Cada vez mais, corporações valorizam a objetividade como medida de controlar o comportamento esperado dos colaboradores. Neste cenário, como fica a subjetividade inerente ao ser humano? É preciso lembrar que as pessoas não são máquinas.
Uma certa manhã, um Líder chama o colaborador na sua sala e, logo que ele entra, antes mesmo de se sentar, inicia-se o diálogo abaixo:
Líder: Recebi uma reclamação sobre o seu comportamento numa reunião dessa semana. Me disseram que você foi grosseiro e saiu da sala no meio da reunião. Isso não pode acontecer dentro dessa empresa, porque queremos ser uma empresa humanizada! Isso significa que você precisa ser mais gentil com as pessoas. Como podemos construir um clima humanizado dessa forma? Você não recebeu as novas regras de conduta da empresa ?
Colaborador: Você está dizendo que eu fui grosseiro e arredio? Quem disse isso pra você?
Líder: Não importa quem disse. O ponto é que não vamos mais tolerar esse tipo de comportamento. Se você quer continuar trabalhando nessa empresa precisa mudar o comportamento, ou então não se encaixa, entendeu?
Colaborador: Mas quem disse isso pra você? Está falando de qual reunião? Eu saí de uma essa semana mas tive minhas razões! O cara é que foi um escroto!
Líder: Está nas regras que não toleramos mais esse tipo de desculpas e nem justificativas que tentem explicar comportamentos agressivos. Reveja suas atitudes! Isso é intolerável aqui dentro. E não vou perder mais meu tempo com você. Está dispensado. Da próxima vez não terá avisos.
Esse diálogo foi objetivo ou subjetivo?
Nesse momento, o colaborador sai da sala perdido, furioso, sem saber o que aconteceu de fato. O Líder, por outro lado, pede um chá pra secretária para acalmar os ânimos, afinal, que absurdo ter que resolver esse tipo de problema, já que as regras estão tão claras. Em sua cabeça ficam pairando pensamentos como: incompetência, mimimi, frescura. Será que as pessoas não sabem como ser mais gentis hoje em dia?
A pergunta é: esse diálogo foi objetivo – direto ao ponto? Ou subjetivo – levou em consideração a pessoa em questão e sua relação com a situação e experiência vivida?
A busca constante pela objetividade e clareza é algo que grita dentro das corporações como medida urgente de controlar o resultado do que se espera das pessoas. Gasta-se milhões para criar regras de comportamento “humanizado”, monta-se um material de comunicação bem feito, bonito e bem escrito e distribui-se por todas as redes internas da empresa. Isso feito, exige-se uma mudança mágica de comportamento, como se a transformação humana fosse possível por meio da leitura de conceitos, procedimentos e regras.
Ser humano não é máquina
O ser humano não muda comportamento quando lê manual. Nós aprendemos por meio de experiência sentida, vivenciada, exemplificada na nossa realidade.
A neurociência, a filosofia, os estudos de aprendizagem cognitiva e emocional já vem falando disso há séculos, mas parece que nossa sociedade continua tentando colocar triângulo dentro de quadrado. Não dá pra falar de humanização adotando modelos do século passado.
Se você quer humanizar um empresa não é colocando regras de humanização, passando um powerpoint cheio de “bullet points” num “treinamento” e depois, cobrando resultados, que vai conseguir. Você precisa pensar em experiência, e estou falando aqui, de “cada uma das experiências.” Proponho aqui analisarmos a “experiência” da situação inicial.
Uma análise aprofundada
Líder: Recebi uma reclamação sobre o seu comportamento numa reunião dessa semana. Me disseram que você foi grosseiro e saiu da sala da sala no meio da reunião.
(o líder levou em consideração a SUBJETIVIDADE – REALIDADE PSÍQUICA, EMOCIONAL E COGNITIVA DO SER HUMANO, QUE O AJUDA A ENTENDER O MUNDO SOB UM PONTO DE VISTA ÚNICO – do colaborador na hora de perguntar o que aconteceu? Ou simplesmente julgou de acordo com uma realidade absoluta, vinda de um outro ponto de vista que nem estava presente na hora da conversa?)
Isso não pode acontecer dentro dessa empresa, porque queremos ser uma empresa humanizada! Isso significa que você precisa ser mais gentil com as pessoas. Como podemos construir um clima humanizado dessa forma? Você não recebeu as novas regras de conduta da empresa ?
(o líder ouviu a EXPERIÊNCIA – CONHECIMENTO OBTIDO PELA PRÁTICA DE UMA ATIVIDADE OU PELA VIVÊNCIA – A EXEMPLO, SE VOCÊ COLOCA A MÃO NO FOGO NÃO É PRECISO EXISTIR A CRENÇA NA DOR PARA QUE A DOR APAREÇA. A DOR É EXPERIMENTADA, IMEDIATA E COM INTENSIDADE QUE ANTECIPA CRENÇAS OU INTERPRETAÇÕES INTELECTUAIS – do colaborador, situou a situação na sua realidade e entendeu o ponto de vista do colaborador? Ou simplesmente reforçou a regra com voz de comando e controle?)
Colaborador: Você está dizendo que eu fui grosseiro e arredio? Quem disse isso pra você?
(O colaborador procurou entender a situação sem julgar? Ou acusou o líder e as pessoas envolvidas?)
Líder: Não importa quem disse. O ponto é que não vamos mais tolerar esse tipo de comportamento. Se você quer continuar trabalhando nessa empresa precisa mudar o comportamento, ou então não se encaixa, entendeu?
(O líder ouviu as perguntas do colaborador e procurou responder às suas dúvidas? Ou deu uma resposta pronta, reforçando sua objetividade e autoritarismo?)
Colaborador: Mas quem disse isso pra você? Está falando de qual reunião? Eu saí de uma essa semana mas tive minhas razões! O cara é que foi um escroto!
(O colaborador continuou achando culpados ou procurou entender a situação mais a fundo para que pudesse resolver o problema?)
Líder: Está nas regras que não toleramos mais esse tipo de desculpas e nem justificativas que tentem explicar comportamentos agressivos. Reveja suas atitudes! Isso é intolerável aqui dentro. E não vou perder mais meu tempo com você. Está dispensado. Da próxima vez não terá avisos.
(Houve empatia – SE COLOCAR NO LUGAR DO OUTRO SENDO O OUTRO – ou o líder cortou qualquer possibilidade de espaço para um esclarecimento e negociação?)
A humanização não existe só no discurso, ela precisa da prática
É inviável falar de HUMANIZAÇÃO sem falar em experiência, subjetividade ou empatia. Impossível promover uma transformação real de forma impositiva, objetiva e baseada em conteúdo frio, concreto e fechado em regras.
Não tem como promover HUMANIZAÇÃO SEM OLHAR PARA O SER HUMANO, com toda a sua complexidade intelectual, emocional, diversa e única.
Muitos milhões serão jogados no lixo até que se que entenda isso. Não são “treinamentos” que irão transformar as organizações, não serão regras de conduta para os subordinados. São as experiências únicas e transformadoras, envolvendo todos os níveis da organização, que irão tocar os corações das pessoas e promover o engajamento para a transformação.
E quer saber? Elas querem! Porque não aguentam mais serem confundidas com máquinas. Estão doentes por tentarem atuar num papel duro, frio, escondendo emoções e sentimentos para parecerem inteligentes.
A mudança só vai acontecer quando a experiência contar outra história
Uma certa manhã, um Líder chama o colaborador na sua sala e logo que ele entra, ele oferece uma cadeira para que se sente, pergunta se ele quer uma água ou um café e inicia o diálogo abaixo.
Líder: “Oi Fulano, eu te chamei aqui para que possamos ter uma conversa sobre uma situação que ocorreu no dia 10, na reunião da sala Z. Você estava presente, certo?
Colaborador: Sim, estava. Que situação?
Líder: Você se sentiu desconfortável nessa reunião? Fui informado que saiu da sala.
Colaborador: É, teve uma hora que eu fiquei um pouco chateado sim e saí da sala, mas tive as minhas razões.
Líder: O que aconteceu?
Colaborador: A gente estava finalizando os processos do projeto X e eu fui falar um negócio que vi de errado no projeto e o Ciclano, que estava conduzindo a reunião me cortou, não deixou eu falar. Nessa hora, eu fiquei irritado, acabei me levantando e fui embora.
Líder: Ele não deixou você falar?
Colaborador: Sim, eu vi um erro no projeto que eles estavam apresentando e tentei alertar. Mas ele me disse que a hora de ver aquilo já tinha passado. Aí fiquei meio estressado, afinal, mesmo que o tempo tenha passado isso pode fazer com que o projeto fracasse mais pra frente.
Líder: E você tentou falar com ele depois?
Colaborador: Olha, eu não sinto abertura com esse cara. Ele nunca escuta o que a gente tem pra falar.
Líder: E o que você faria já que percebeu esse erro?
Colaborador: Acho que a gente tem que olhar pro projeto como um todo. Se eu percebi o problema não importa a hora que vou falar. O mais importante é arrumar antes de terminar. Mas me sinto desmotivado desse jeito porque parece que, quando a gente percebe coisas importantes, esse tipo de cara faz a gente parecer que é o culpado por não ter visto antes. E ele me cortou na frente de todo mundo! Isso não se faz.
Líder: Se fosse você que estivesse conduzindo o projeto, como agiria?
Colaborador: Eu ficaria feliz quando alguém vê um problema, afinal, o que importa? Se a gente errou lá atrás por não ter visto ou se a gente vai consertar a tempo?
Líder: Bom, obrigado por me dar essas explicações. Eu também concordo com seu ponto de vista. Você toparia de bater um papo com o Ciclano pra gente tentar falar sobre essa situação específica de falha de comunicação? Como você sabe, queremos humanizar a empresa e pra gente conseguir, precisamos conversar mais e acertarmos em nossos diálogos. O que me diz?
Colaborador: Sem problemas. Estou à disposição.
Líder: Muito obrigado.