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Adulto: Pessoa que em toda coisa que fala, fala primeiro de si. (Andrés Felipe Bedoya, 8 anos).
Retirada do livro “Casa das estrelas: o universo contado pelas crianças”, de Javier Naranjo, obra que surpreendeu o mundo ao se tornar o maior sucesso da Feira Internacional do Livro de Bogotá em abril de 2013, essa frase esconde atrás de si uma grande verdade, o egoísmo latente de nossa comunicação.
Em “O Gene Egoísta”, Richard Dawkins, etólogo, biólogo evolutivo e escritor britânico, diz: “Um indivíduo se comunica com outro quando há uma influência no comportamento ou no estado de seu sistema nervoso.Os exemplos de comunicação no mundo animal são numerosos: o canto das aves; o balançar da cauda e eriçar dos pelos em cães; o arreganhar dos dentes nos chimpanzés.
Os pintos, por exemplo, influenciam o comportamento de suas mães soltando pios agudos e penetrantes quando estão perdidos ou com frio. Isto geralmente tem o efeito imediato de chamar a mãe, a qual conduz o pinto de volta à ninhada. Poder-se-ia dizer que este comportamento desenvolveu-se para o benefício mútuo, no sentido de que a seleção natural favoreceu os filhotes que piam quando estão perdidos, e também as mães que respondem adequadamente ao pio.”
No humano, esse sistema se dá pela linguagem e pelos gestos. Segundo a analogia de Dawkins, nossa linguagem e gestos deveriam ter a função de influenciar o comportamento de outro indivíduo.
Porém, não é o que temos visto com frequência. Cada vez mais pessoas reclamam de reuniões chatas e sem objetivo, apresentações entediantes, onde são perdidas horas e horas com comunicadores que falam de interesses próprios, falam de valores, missão, clientes, serviços e produtos maravilhosos. O modelo eu falo e você me escuta gera desinteresse e tédio e, de forma alguma, influencia o comportamento do ouvinte. Se não influencia, podemos entender que não existe comunicação? Estamos tateando um momento novo, obscuro, imprevisível, uma nova geração de indivíduos com novos hábitos e uma nova forma de se comunicar.
A criança dessa geração já nasce em meio a controles remotos, milhares de canais na televisão, informação disponível em diferentes dispositivos, em todos os idiomas. A música, a dança, a arte, os games são parte dos exercícios escolares e as redes sociais e mensagens de texto representam amigos conectados 24 horas por dia. Surge um indivíduo mais crítico, mais contestador. Pais e professores começam a enfrentar uma mudança de papéis, uma vez que já não são mais os únicos detentores da informação. “Isso é assim porque é assim” não funciona com a nova geração. Tudo deve ter uma razão de existir, tudo tem uma explicação lógica. Tudo tem que ser comprovado. Não sabe? Procura no Google.
Na nova geração, não existe comunicação sem troca. O mundo digital nos abre a porta da revolução cognitiva, onde o repertório, ou seja, a bagagem de experiências de cada indivíduo deve ser levada em consideração. Termos como colaborativo, conexão e rede nunca estiveram tão em alta. E não tem como ser colaborativo sem prestar atenção no outro, sem construir junto, sem tratar cada ato de comunicar-se como único e sob medida para cada indivíduo, para cada situação.
Em seu livro, “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, um dos maiores best-sellers do mundo desde 1937, Dale Carnegie dizia: “Ouvir é uma arte, uma habilidade e uma disciplina e, tal como outras habilidades, exige autocontrole. Você precisa aprender a ignorar suas necessidades e concentrar a atenção na pessoa que está falando. Escutar se transforma em ouvir apenas quando você dá atenção e acompanha de perto aquilo que está sendo dito. Este é um dos fatos mais básicos da psicologia humana. Ficamos lisonjeados diante da atenção de outras pessoas. Isso nos faz sentir especiais. Queremos estar perto de pessoas que demonstram interesse por nós. Queremos mantê-las por perto. Nossa tendência é retribuir seu interesse mostrando interesse por elas.”
Setenta e seis anos depois e ainda não sabemos ouvir. Por isso, temos aqui um dos desafios mais interessantes e motivadores da nossa era. A evidência clara que o interesse e a motivação do ouvinte são tarefa do comunicador.
Muitas vezes pensa-se que, para gerar interesse no ato de comunicar uma ideia, basta usar vídeos, imagens, novas tecnologias. As pessoas gastam um tempo enorme com seus powerpoints, prezis e keynotes, porém, nada disso irá provocar mudança de comportamento no outro se não gerar comunicação efetiva. Se o novo indivíduo é colaborativo, é impossível não considerar sua participação na construção da comunicação. Aguçar a percepção e ouvir mais se tornam, então, as principais ferramentas dessa construção. As tecnologias ajudam, porém, são apenas alegorias que devem ser utilizadas para reforçar a troca de experiências.
Um exemplo:
Quando um vendedor expõe uma quantidade enorme de produtos e serviços utilizando as tecnologias mais modernas, com milhões de detalhes “super” importantes, gera uma angústia terrível no cliente, que não consegue nem solucionar o seu problema, nem guardar as informações recebidas.
Para provocar mudança de comportamento, ou seja, fazer com que o cliente queira comprar o produto oferecido, a comunicação deve ser construída em conjunto.
Primeiro, o comunicador ouve o cliente, convida-o a expor seus conflitos e necessidades e, em troca, recebe um cenário muito mais preciso do problema a ser resolvido. Após perceber esse cenário, ele tem condições de trazer uma solução objetiva e clara, direto ao ponto, sem precisar expor informações desnecessárias. O resultado é muito mais interessante, tanto para o vendedor, que não precisa ficar horas falando, quanto para o cliente, que fica satisfeito ao perceber que encontrou uma solução para resolver seu problema.
Não há mais espaço para uma comunicação onde há um indivíduo falando e o outro ouvindo. Temos que pensar em um individuo dividindo seu conhecimento, baseado em percepções construídas em conjunto com o ouvinte.
Não estamos mais falando de reuniões onde o objetivo é ver quem tem razão. Estamos falando de reuniões onde a solução de um determinado assunto é o foco e os participantes são peças fundamentais para dividir conhecimento e chegar à solução. Na nova era da comunicação não há mais espaço para a verdade absoluta. As experiências e repertório de cada indivíduo são levados em consideração, bem como suas diferentes percepções sobre um mesmo assunto. A união dessas percepções dá origem a novas ideias, que são discutidas e encontradas ao longo da construção da comunicação. Não é mais a sua ideia ou a minha ideia. É uma nova ideia que surgiu da junção de duas ou mais ideias. Dessa forma, é possível criar uma identificação com o ouvinte, fazê-lo perceber que o seu momento está sendo valorizado. Que o assunto é ele e não o ego do comunicador.
Mas se ainda somos muito egoístas para pensar assim, podemos então analisar: usar o egoísmo do ouvinte para construir a comunicação pode ser uma ótima pedida.
Por Joyce Baena. Revista T&D, edição 182, pag. 22. Fev 01, 2014. Veja a matéria original aqui.