La Gracia Humaniza

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Lidando com os erros

Joy Baena
@joycebaena

Na 4ª história da nossa série “Comunicação Humanizada”, Joy nos conta sobre quando, no início de sua carreira, realizou o sonho de trabalhar em uma grande agência de propaganda em São Paulo. Apesar do sucesso inicial, seu perfeccionismo a levou dizer muitos “sins” e cometer erros no trabalho. Foi nesse momento, que ela recebeu um feedback negativo e uma ordem de demissão que botou tudo a perder.

Joy: Lembro que, quando me formei, em 1999, um dos meus grandes sonhos era trabalhar em uma agência de propaganda grande, de São Paulo. Eu tinha esse desejo de aprender com os grandes nomes da propaganda. Me formei em Comunicação Social pela PUC e depois de trabalhar por 2 anos em uma agência pequena, entrei num dos maiores grupos de Publicidade e Propaganda de São Paulo. Só pra você ter uma ideia, Ed, nesse mercado existiam umas 9 agências de propaganda e somente as mesmas pessoas circulavam nessas agências. Era muito difícil entrar no circuito. E eu entrei!!! Foi demais.

Me lembro até hoje da entrevista de emprego e a pessoa que me recebeu, a minha chefe, era impecável. Eu nunca tinha visto alguém assim, ela não tinha um fio de cabelo fora do lugar e se manteve assim durante todos os setes anos que estive com ela.  Era um modelo de perfeição.

Fui contratada para cuidar das apresentações de Powerpoint da área de novos negócios desta agência e a primeira apresentação que eu fiz foi muito elogiada. Pra você ter uma ideia, essa apresentação me rendeu um aumento de salário, logo no segundo mês. Foi muito especial. 

Depois disso, ela começou a me pedir mais e mais coisas e, perfeccionista como sou, não sabia dizer não. Eu queria muito agradar, ser percebida, afinal, eu estava numa grande agência realizando o meu sonho. Então quando ela falava: – Preciso dessa apresentação amanhã às nove. Eu só dizia: – Deixa comigo.

Quando eu percebi, estava fazendo 50, 60 slides por noite. Quando eu vi, eram três horas da manhã, eu ainda estava trabalhando. Quando vi, já tinham se passado 3, 4 dias nesse ritmo.

Não demorou muito até que ela me chamou, um dia, na sala dela e falou o seguinte:

– Olha, Joyce. Eu te contratei, gostei muito do seu trabalho, só que a quantidade de erros que estão acontecendo nas apresentações… não dá. Eu estou muito incomodada e estou achando que não vai dar para nós continuarmos trabalhando juntas. 

Eu fiquei em choque. Na hora, eu engoli em seco e falei: – Não, espera. Eu vou melhorar, eu vou prestar mais atenção e tudo mais. E fui para casa chorar Ed, chorei a noite inteira. Meu sonho desmoronando na minha frente e eu não sabia o que fazer. 

Aí, em certo momento naquela noite, eu me olhei no espelho e pensei: Eu sou uma pessoa comprometida, perfeccionista, eu não quero errar. O que está rolando? Por que eu estou errando? E de repente, eu percebi que a culpa não era minha. E veio uma coragem interna, uma necessidade de salvar meu emprego.

Na manhã seguinte, eu pedi pra falar com ela e disse:

– O negócio é o seguinte. Ontem você me chamou aqui na sua sala e falou que eu tenho cometido muitos erros nas apresentações e por isso, iríamos romper o contrato de trabalho. Na hora eu fiquei em choque e não soube o que dizer. Então eu refleti e pensei muito sobre o por quê eu tenho cometido erros. Quando você me contratou, você percebeu que eu gosto de fazer bem feito. Eu tenho essa preocupação, esse compromisso com o meu trabalho. Mas eu também percebi que eu estou dizendo ‘sim’ para tudo, mas a realidade é muito diferente da minha vontade de atender a tudo. Por quê? Eu tenho entregue a você, pelo menos uma apresentação de 50, 60 slides por dia. E até consigo entregar, porém, antes de entregar eu deveria revisar os textos, os números, mas com esse prazo, essa é uma tarefa impossível. Eu tenho saído quase todos os dias de madrugada para conseguir cumprir os prazos que você me dá. Se eu corrigir, não durmo mais, entende? 

Aí eu comecei a citar alguns exemplos.

 – Olha só, dia tal aconteceu tal apresentação, você me passou às sete da noite, eu te mandei às três da manhã. Às nove da manhã já estava na sala de reunião. – E fui mostrando várias situações como essa se repetindo. – Agora, se nós compararmos com a primeira apresentação que fiz, onde eu tive tempo de revisar, fazer direito e tudo mais, ela ficou impecável. Isso é o que eu gosto de entregar. Você pode me demitir, se quiser, mas você sabe que eu entrego. Ou você me demite, ou nós podemos melhorar esses prazos. Eu pensei e pela experiência que já tivemos, eu preciso de pelo menos três dias para fazer uma apresentação e te entregar de forma impecável. Será que nós não conseguimos adiantar um pouco o trabalho para eu conseguir? Porque é total do meu interesse te entregar um trabalho bom. Tudo o que eu quero é ver os seus olhos brilhando quando você recebe o material que eu estou fazendo. Mas, com esse prazo, realmente, eu não tenho condição de te entregar. E se nós formos continuar nesse prazo, realmente, eu acho que você tem razão, não faz sentido seguirmos adiante.

Ed: Já que estamos falando de humanização de processos, o que você fez? Ajustou a realidade. Tem ainda outro termo mais ‘bonitão’ que eu gosto de usar, você ‘modelou a realidade’. Sua chefe tinha uma realidade na cabeça. No início ela percebeu que você era capaz e depois, ela foi perdendo esse contato com a sua realidade e tomou como base a realidade que ela criou na cabeça dela. Você também construiu uma outra realidade. E o modelar dá muito essa ideia de lego, sabe? É como usar as mesmas peças, de formas diferentes, para criar coisas diferentes. Mas o que está por trás disso? Quando você tem esse primeiro contato e ele é bom, a pessoa cristaliza uma ideia na cabeça: ‘A Joyce é ótima, o que eu pedir ela vai fazer porque ela é inteligente, criativa, inovadora, ágil.’ Só que isso vai ficando endurecido. E as pessoas perdem essa percepção depois de algum tempo. Por isso, fazer esse ajuste é uma prática que deveria ser cotidiana entre as pessoas.  A ideia seria pensar que a realidade muda o tempo todo, porque as pessoas vão mudando, os cenários vão mudando.

Joy: Nossa Ed, e como isso funciona como um efeito cascata nas empresas, né? Olhando para aquele momento, eu tinha 25 anos, recém chegada de Rondônia, com uma filha pequena e um marido desempregado, realizando o sonho de trabalhar em uma grande agência. Minha chefe tinha 26 anos, vice-presidente de planejamento estratégico, lidava com um grupo de diretores, todos homens, que ditavam as regras. Ela também só dizia ‘sim’ para eles, tentando ser aceita. E o que eles enxergavam de realidade, era baseado somente no que eles conseguiam ver. Então olha só o que acontece, é uma reação em cadeia, onde a ordem vem de cima, e vai descendo até que a última pessoa da cadeia se estrepa. Se nós não vamos alinhando, modelando essas realidades, como você está falando, chega uma hora que está todo mundo doente.

Ed: E ninguém consegue entender por quê. O que vemos é um colocando a culpa no outro. As pessoas não se colocam como parte do que está acontecendo. Na visão individual, cada pessoa é perfeita e os outros é que estão ‘desajustados’. Se alguém não provocar um olhar diferente sobre isso, tudo vai por água abaixo, não tenha a menor dúvida.

Joy: E a comunicação é a nossa ferramenta para provocar esses ajustes, né? Mas a gente precisa organizar tudo dentro de nós, antes de nos comunicarmos. Isso faz toda a diferença. Naquele momento eu não fui demitida. Eu trabalhei durante sete anos nesse grupo, com essa mesma chefe. Mas por que deu certo?

Acredito que, mesmo sem saber disso conscientemente, naquele momento eu olhei para mim, e entendi o que estava acontecendo comigo. Eu reconheci o erro, porém, não me coloquei como vítima da situação.

Eu entendi que o problema não era comigo, que o problema era do processo que estava acontecendo de uma maneira equivocada. Eu poderia simplesmente ter pego o problema para mim e ter entrado em depressão, saído da agência que eu lutei tanto para entrar. E depois dessa conversa, tivemos muitas outras. O nosso tempo de trabalho juntas foi um eterno ajuste. 

Ed: Ela aceitou essa ideia de periodicamente e, conscientemente, fazer esses ajustes? 

Ed: No começo não. A relação era tóxica, doentia. Mas eu penso que isso acontecia porque eu não tinha coragem de dizer o que pensava, me sentia frágil, com medo e ela usava isso contra mim. Ela, talvez inconscientemente, fortalecia meu medo para obter algum tipo de controle. Mas teve um determinado momento, na nossa relação, em que eu me fortaleci e comecei a falar, me posicionar e isso mudou tudo. 

Lembro que isso ocorreu uns 3 anos depois que começamos a trabalhar juntas. Estávamos de madrugada, tocando um trabalho e ela me disse: – Você está diferente. Eu perguntei: – Como assim? Daí ela complementou: – Não sei, você está mais segura, mais forte. Eu estou até com vontade de passar coisas mais importantes para você. 

Foi muito interessante esse dia. Foi muito incrível, na verdade, porque eu tinha começado a fazer terapia, estava cuidando mais da minha saúde, fazendo academia, comendo melhor. Estava olhando pra mim. E foi uma mudança interna, porque antes disso, eu passei um bom tempo acumulando raiva, frustração, angústia e xingava a minha chefe, como muita gente fazia. As pessoas sempre colocavam a culpa nela, mas poucas olhavam pra si mesmas. Tudo bem, ela não fazia da melhor forma possível mas, eu resolvi que, ao invés de sentir raiva dela, eu precisava olhar pra mim. 

E quando eu olhei pra mim, Ed, eu descobri que existia um jeito de falar com ela. Ela era racional, inteligente e não podia perder tempo. Se eu organizasse o que ia dizer e falasse de forma objetiva, porém clara, trouxesse contexto, ela entendia a situação. Se eu batesse de frente, de forma descontrolada e emocional, esquece. Entendeu? 

Esse processo de entender que cada pessoa tem um jeito e que a gente sempre precisa ajustar a forma de falar, de acordo com a pessoa na nossa frente. Uau. Isso mudou a minha relação com minha filha, com meus sócios, com minha mãe. Isso faz uma diferença enorme na minha vida.

Ed: Você disse que ficou sete anos com ela? E no final, como foi que saiu?

Joy: No final, eu saí pra abrir a La Gracia. Com o passar dos anos e centenas de modelagens, a nossa relação foi melhorando. Construímos respeito uma pela outra. Quando eu saí, ela me disse que estava perdendo duas das relações mais importantes da vida dela. Ela tinha acabado de perder a mãe e eu estava pedindo demissão. Foi doloroso pra mim ouvir aquilo, mas ao mesmo tempo, foi um presente que ela me deu. Perceber que conseguimos passar por tantas coisas e ao final, construir um sentimento assim, não tem preço.


Por trás de todo ato de comunicação, existe um universo inteiro a ser desvendado.

Amamos histórias e acreditamos que elas são capazes de ensinar muito mais do que conceitos desconectados da realidade.

Por isso, baseada em fatos reais, essa história conversada, tem o objetivo de abrir novos pontos de vista sobre a comunicação.

Humanize as
apresentações, as
relações e o aprendizado
na sua empresa.

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