A batalha contra o pobre PowerPoint parece não ter fim, chegando ao ponto de alguém resolver criar um Partido Anti-PowerPoint. As acusações contra o software, em geral, são as mesmas, culpando-o pelas apresentações ruins que lotam salas de reuniões e auditórios por aí, assim como os argumentos de defesa também sempre se baseiam na ideia de que a responsabilidade por elas é única e exclusivamente de seus realizadores.
Recentemente, o embate entre partidários de ambos os lados alcançou um dos mais respeitados jornais sobre negócios e economia do mundo, o Financial Times. Cerca de uma semana atrás, Lucy Kellaway, das principais colunistas da publicação, fez um chamado à guerra em seu texto “Anti-PowerPoint revolutionaries unite” (algo como “Revolucionários Anti-PowerPoint, uni-vos”). Ontem, seu colega, Tim Harford, atendeu ao apelo e saiu em defesa do software em sua coluna. O texto dele é interessante e equilibrado. Além de trazer alguns dos argumentos de sempre, também faz críticas a certas funcionalidades do PowerPoint.
Abaixo, segue uma tradução livre deste texto. Caso queira, o original pode ser acessado através da página do Financial Times (com a única exigência da criação de um cadastro simples) ou no site do autor.
Em defesa do caluniado Power Point
por Tim Harford
Estou prestes a fazer algo audacioso, que é discordar de Lucy Kellaway. Na semana passada, a observadora sem medo das loucuras dos negócios foi longe demais: ela fez um apelo para o PowerPoint ser banido.
O argumento da promotoria é simples: muitas apresentações em PowerPoint são muito ruins. Isso é verdade, mas dificilmente é caso para uma proibição. Ferramentas de manutenção podem produzir resultados terríveis nas mãos erradas, como qualquer pessoa que tenha me visto colocar prateleiras pode atestar. Proibir a chave de fenda não é a resposta.
Assim é com o PowerPoint. Ele é uma peça prática, nada romântica. É usado frequentemente mal. Não é a ferramenta mais elegante, mas os trabalhos fracassados devem ser atribuídos ao realizador. Muitas das apresentações ruins realizadas com a ajuda do PowerPoint teriam sido apresentações ruins em qualquer caso. Teria sido melhor ouvir as divagações improvisadas de um orador nervoso em colapso cognitivo total? Ou assistir a um trecho de um filme produzido profissionalmente, mas irrelevante, no escuro? Muitos leitores se lembrarão da vida corporativa antes do PowerPoint. Não era um paraíso perdido.
O PowerPoint não é o software mais maravilhoso do mundo. Os templates foram feios por muito tempo, os clip-arts são bregas e há animações risíveis. Como se determinado a cumprir o nome, ele insere bullet-points no texto com pouco apelo. É mais difícil do que deveria ser simplesmente alinhar todas as letras (Ainda estou usando o PowerPoint 2003)
No entanto, com todas as suas falhas, o PowerPoint executa duas tarefas úteis bem o suficiente. Ele rapidamente permite compor notas de fala e criar slides mostrando imagens e gráficos. O problema começa quando as pessoas confundem os dois empregos.
Não há nada de errado com anotar notas de fala como um auxiliar de memória. O PowerPoint é uma boa maneira de fazer isso como qualquer outra, especialmente se você tem uma caligrafia como a minha. Para a grande maioria dos oradores, tais notas de fala são preferíveis às alternativas, incluindo a memorização, improvisação no local ou escrever todo o discurso e lê-lo em um tom monótono.
O problema é que por alguma razão incompreensível, muitos oradores decidir projetar suas notas de fala em uma parede, em vez de imprimi-las, tamanho de cartão postal, e fixá-los em cartões de 3×5 polegadas. Costumo esboçar meus discursos com a ajuda do PowerPoint. Mas prefiro manter os slides para mim mesmo.
O segundo uso do PowerPoint é projetar recursos visuais em uma tela. Isso ele faz muito bem – e o clip-art clichê do passado está agora quase extinto. Hoje em dia, as pessoas ”emprestam” cartoons do Dilbert, ou pegam fotos da web. O efeito é muitas vezes agradável o suficiente.
Seria melhor se as pessoas aprendessem um pouco sobre fontes, e melhor ainda se aprendessem que, pressionando a tecla “B”, podem temporariamente deixar a tela em branco. Mas não se pode ter tudo.
Lucy, apoiando, menciona uma condenação famosa do PowerPoint pelo brilhante designer de informações Edward Tufte. Professor Tufte ataca o PowerPoint em parte por sua “incansável sequencialidade, um slide depois do outro” e, em parte, pela relação assimétrica entre orador e “seguidores”.
Isso é estranho porque Tufte não reconhece que o que ele está realmente atacando é a própria ideia de falar em público. O que poderia ser mais implacável do que um discurso sequencial? Uma maldita palavra na frente de outra. Se você odeia a própria ideia de um discurso, tudo bem. Mas diga isso.
Seria necessário muito pouco para melhorar a qualidade das apresentações em PowerPoint da maioria das pessoas – muito menos do que seria necessário para melhorar a qualidade do Newspeak corporativo. Então, por que fazer um apelo pela proibição?
O verdadeiro problema é muito mais preocupante. É que em um ambiente corporativo, somos convidados a ler textos de pessoas que não sabem escrever e assistir performances de pessoas sem o talento nem a formação de executá-las. Por alguma razão esses amadores são melhor remunerados do que a maioria dos escritores e artistas. Há algo deprimente sobre tudo isso, mas a culpa não pode ser fixada no PowerPoint.
Não posso terminar sem confrontar o maior pecado na minha versão do PowerPoint: a função ”Auto Conteúdo”, que esboça um discurso se você não pode fazer isso sozinho. Auto Conteúdo, reportou uma vez a revista The New Yorker, foi definido como uma brincadeira, ”farsa pura e simples de seus clientes-alvo”. A própria idéia da função é perniciosa, mas na verdade o verdadeiro horror é que ele foi criado para satisfazer uma demanda.
Felizmente, essa demanda parece ter se resolvido sozinha: a função ”Auto Conteúdo” foi descontinuada em 2007.