Joy: Bom, nós costumamos pegar táxi quando estamos fazendo algum trabalho de consultoria ou mentoria e, eu lembro de um dia em que eu estava voltando do aeroporto e ia passar pelo menos uma hora dentro do táxi. Era uma sexta-feira e pra piorar a situação, estava chovendo muito. Você sabe como é sexta-feira, fim do dia em São Paulo, né? Aí a gente começa a conversar com o taxista, papo vai, papo vem, e quando começamos a falar de comunicação, sempre rola uma mentoria. Acontece com você, Ed?
Ed: Sempre. Rsrsrs.
Joy: Total, só que esse dia foi muito especial. O personagem dessa história eu vou chamar de “Seu Sebastião”. Claro que é um nome fictício mas a história é real.
Entrei no táxi e logo engatamos na conversa. Ele perguntou o que eu fazia e depois de uma breve explicação, perguntou se eu poderia ajudar em uma situação pela qual ele estava passando.
Naquele momento, comecei a olhar para o Sr. Sebastião com mais atenção. Eu não tinha ideia de quantos anos ele tinha, mas era bem negro, com cabelos brancos… imagino que ele devia ter por volta dos 80 anos.
Ele falou:
– Tenho um filho que mora comigo, junto com sua esposa e um bebê pequeno. Eles estão casados há três anos, moram dentro da minha casa e eu sou da ordem dos casais da igreja que eu frequento.
Nessa hora entendi que ele era responsável por aconselhar casais, prepará-los para o casamento religioso, promover encontros. Ele também me disse que era casado há mais de 43 anos com a mesma mulher, mãe do seu filho.
– Joyce, sou um exemplo de casamento para o meu filho, sou exemplo de casamento para todo mundo na igreja. Só que eu sinto que o meu filho não está bem no casamento dele. Visivelmente, ele está irritado, está brigando com a esposa diariamente, mas ele não tem coragem de chegar para falar comigo. E eu queria muito conseguir conversar com o meu filho e dizer que tudo bem se ele quiser se separar, entende? Mas não sei como vou chegar para conversar com ele sobre isso.
Ed: Duas pessoas com uma vontade imensa de falar alguma coisa mas não sabem como começar, porque já imaginam na cabeça um cenário: não vou falar por causa disso, não vou falar porque não sei falar… Como ele devia estar sofrendo, o Seu Sebastião.
Joy: Você entendeu bem. E aí eu comecei a analisar todo esse processo e tive que tomar alguns cuidados, porque tudo ali era muito delicado. Você falar para uma pessoa que ela pode se separar ou não, é muito perigoso. Porque, pensa o seguinte: o filho queria realmente se separar da mulher ou isso era uma suposição do pai? E se o Sr. Sebastião falasse para o filho que tudo bem ele se separar? Pode ser que o filho, a partir daquele momento, começasse a culpar o pai pela separação, e não só naquele momento mas para o resto da vida! É muito complexa a situação. Porque a gente vive numa sociedade que adora julgar e gerar culpa. É uma forma de controle. Enfim, é muito fácil quando a gente decide algo baseado no que o outro propôs, porque se o resultado for ruim, você pode culpar o outro. Então, com tudo isso se passando dentro de mim, eu disse pra ele:
– O senhor tem que tomar muito cuidado. A separação é uma coisa que o senhor está supondo ou você já ouviu seu filho falando que quer se separar da mulher? Porque, às vezes, é só uma crise. Às vezes eles vão se resolver e vai ficar tudo bem. Então tem que tomar muito cuidado em como o senhor vai abordar essa situação.
De verdade, Ed. Eu acredito que, quando nós pensamos na comunicação, temos que olhar profundamente qual é a necessidade real por trás da situação, porque às vezes agimos por impulso e ao invés de melhorar a situação, acabamos por piorar. Lembro que naquele momento, perguntei para ele:
– O que o senhor está sentindo e qual é, na verdade, a sua necessidade, independente do seu filho?
– Joyce, na verdade estou me sentindo muito triste porque quero ver o meu filho feliz. E essa é a principal necessidade que tenho: vê-lo feliz. Quero ter a possibilidade de ser um amigo pra ele. Que ele chegue para mim e nós possamos conversar sobre o assunto e que eu possa, de alguma forma, ajudá-lo, entendeu? Porque não estou sabendo como fazer isso.
– Por que é tão difícil para o senhor chegar no seu filho e falar isso?
Ele respirou fundo e levantou os olhos para o alto:
– Joyce, eu sou um homem negro, de uma geração que não conversava. Eu nunca consegui conversar com o meu pai. Eu comecei a trabalhar com 7 anos de idade e passei a minha vida inteira trabalhando. Sempre me preocupei com o trabalho, com pagar as contas, lidar com as coisas. Você vê. Estou aqui, já tenho bastante idade e estou trabalhando em um táxi. Não que eu precise. Me formei advogado e graças a Deus, dei condição para os meus filhos fazerem faculdade. Está todo mundo bem. Só que não sei ficar parado e essa coisa de se comunicar com as outras pessoas nunca aprendi. Para mim é muito difícil falar dos meus sentimentos, falar com o meu filho. E, quando você começou a falar do seu trabalho, fiquei muito triste na verdade, porque pensei – caramba, eu não tinha me dado conta do quanto é difícil para mim falar – porque parece uma coisa simples, mas não é, porque eu realmente não sei fazer isso. E é por isso que estou te pedindo ajuda aqui, porque não sei nem como começar essa conversa. Como eu começo essa conversa com o meu filho?
Ed: Olha só uma característica que vemos muito no dia a dia. Como a história das pessoas influencia no sucesso da comunicação e da interação com as outras pessoas. Como é difícil para muitos fazer uma simples pergunta – como vai o seu casamento? – e aí percebemos que a comunicação é muito mais complexa.
É a história, um achismo, é uma crença. É um conjunto de experiências de vida que fazem com que a pessoa tenha ou não liberdade para chegar diante de alguém e poder se abrir e conversar. Ele estava com essa dificuldade e viu em você justamente essa oportunidade de, talvez, você dar a ele um caminho sobre o que fazer. Você foi para frente? Orientou?
Joy: A primeira coisa que falei para ele, como já disse, foi para evitar o julgamento, evitar falar sobre algo que estava só dentro da cabeça dele. Sugeri a ele não tocar na questão da separação, porque isso era uma decisão que o filho tinha que tomar junto com a esposa, só entre eles. Mas se a principal necessidade dele era se conectar com o filho, então em algumas coisas ele tinha que prestar atenção nessa conversa.
Primeiro era preciso criar um ambiente. Você não pode simplesmente chegar numa pessoa no meio de um jantar com toda a família e começar a conversar sobre isso, porque podem ter mil interferências, interpretações diferentes, mil ruídos que podem atrapalhar essa conversa. Então preparar o ambiente, chamar o filho para um café, uma cerveja, enfim, um lugar que estejam só os dois, seria muito importante.
Outra coisa que eu sugeri foi para ele não começar essa conversa falando sobre o filho, mas sim, falando como ele mesmo estava se sentindo em relação à situação. E dei um exemplo:
– Seu Sebastião, comece essa conversa falando como o senhor está se sentindo, exatamente como acabou de me contar – meu filho, estou muito triste porque estou vendo que você não está bem e quero que você fique bem. E eu quero conversar com você sobre isso, quero te dizer que eu estou aqui à disposição.
E o Seu Sebastião novamente respirou e falou para mim que ele tinha muito receio dessa conversa, porque a imagem de perfeição que ele passava por estar há 32 anos cuidando dos casais da igreja, quarenta e poucos anos casado, poderia atrapalhar essa conversa, entendeu? Então, olhei pra ele e disse:
– Já que isso é algo que está dentro de você, fale pra ele – eu sei que, às vezes, você me olha como uma pessoa que valoriza o casamento em primeiro lugar, mas quero que saiba, meu filho, que para mim a coisa mais importante do mundo é a sua felicidade, independente da decisão que você tomar na sua vida. Seja profissional, seja o casamento, o que você quiser fazer da sua vida, meu filho, é o que importa pra mim. Só quero que você saiba que eu estou aqui.
Outra coisa que eu sugeri é que ele fosse aberto, ou seja, mais disposto a escutar do que falar. É comum que, ao ter uma conversa, queiramos controlar onde o papo vai dar. Tem muita gente que tem a mania de começar a conversa já querendo chegar em algum lugar – então vou chegar lá e vou falar isso, isso e isso. – Tem gente que chega a treinar na frente do espelho, dizendo a sua fala e como imagina que a outra pessoa vai responder. E isso gera muita frustração porque, na verdade, a realidade nunca é do jeito que a gente imagina. Não dá pra controlar o outro e muito menos o resultado de uma conversa. São duas pessoas trocando experiências, crenças e ideias completamente diferentes entre si. Se ele realmente quisesse se conectar com o filho, ele teria que ouvir o filho, independente do que o filho falasse. E se algo dito batesse dentro dele de uma maneira estranha, que ele simplesmente respirasse fundo, tomasse um gole do café e continuasse escutando e perguntando.
– Seu Sebastião, o lance é perguntar mais e falar menos.
Ed: Uma característica que temos que destacar no que você acabou de falar. Sempre em uma conversa, um dos envolvidos tem que deixar claro para os demais que está aberto para receber: eu tenho buracos, tenho poros, tenho aberturas, tenho necessidades. É impressionante como as pessoas se sentem bem ao perceber que, do outro lado, tem alguém que está aberto. Isso é determinante para entender qual a diferença entre uma comunicação mais humanizada e outra não humanizada.
Joy: É, me lembro muito dos livros da Brené Brown, onde ela fala que só tem uma forma de colocar o outro vulnerável: é você se vulnerabilizando primeiro.
E, voltando pra história, no final, foi muito bonito. Quando chegamos na minha casa, ainda estava chuviscando. Achei estranho, porque comecei a descer do táxi e ele também desceu. Então ele me olhou nos olhos:
– Joyce, você me abriu uma possibilidade de conexão com o meu filho e eu queria te dar um abraço. Tenho muita dificuldade com isto, mas agora tenho um caminho para seguir.
E foi muito emocionante para mim, sabe? Aquele homem gigante ali na minha frente, aberto, vulnerável, lindo. E isso mexe muito comigo, sabe, Ed? Porque as pessoas não conseguem se comunicar com outras porque elas não aprenderam como fazer isso, porque elas não conhecem caminhos para se conectar, entende? E é uma coisa que nós estudamos, nós vemos que apesar de simples na teoria, não é nada simples na prática, porque somos feitos de emoções, sentimentos, histórias e experiências únicas. E é ainda mais difícil para os homens que foram ensinados a vida inteira que nunca deveriam chorar, que nunca deveriam demonstrar sentimentos. É muito triste isso.
Mas naquele dia fiquei muito feliz porque abracei o Seu Sebastião, porque senti que eu podia ajudá-lo de alguma forma. E só pelo fato de poder, eu ajudei.
Por trás de todo ato de comunicação, existe um universo inteiro a ser desvendado.
Amamos histórias e acreditamos que elas são capazes de ensinar muito mais do que conceitos desconectados da realidade.
Por isso, baseada em fatos reais, essa história conversada, tem o objetivo de abrir novos pontos de vista sobre a comunicação.