E se trocássemos receptor por questionador?

4 de abril de 2016

iStock_000066170179_FullSituação A

Vamos supor que você acordou hoje com um objetivo: comprar uma máquina filmadora que também fotografa. Ao entrar numa loja, olha ao redor e vê pelo menos vinte modelos à disposição. Visualmente? Tudo muito parecido. A intenção é usar o equipamento em treinamentos e pequenos eventos para gravação e reprodução, nada mais! Mas tudo tem muitos botões, dezenas de operações e centenas de possibilidades. Sem referências palpáveis e com dificuldade de interpretar as informações técnicas para o mundo dos mortais, você chama um vendedor. Com muita disposição, energia e falando muito bem, você diz sua intenção e necessidade de forma simples. Em apenas alguns minutos, o funcionário despeja mais de trinta características e procedimentos que a máquina é capaz de fazer “facilmente”. Sem conter o fôlego, o rapaz não para de falar, não pergunta, não interage, não questiona, não associa, não ouve e não percebe. Ele torna-se uma máquina de atirar dados e informações. Exausto e sem nenhum direcionamento sobre qual máquina adquirir, você sai da loja sabendo menos do que quando entrou.

Situação B

Objetivo: ser uma apresentação interessante. Quatro profissionais vão dividir duas horas durante um evento cujo objetivo é mostrar a cem colaboradores os resultados da empresa nos últimos três meses e as projeções para os próximos três. Serão explicados novos procedimentos, alterações e conceitos, assuntos que interessam a todos. Tudo começa com muita energia, uso de gráficos e animações nos slides. Um colaborador de outro estado fala por vídeo conferência, mas ninguém entende nada. A apresentação, depois de alguns minutos vira um bombardeio de informações. Ao final, em seu íntimo, muitos se sentem cansados e confusos, sem saber muito bem o que fazer. Porque pessoas que invariavelmente conhecem os assuntos, com conteúdo maciço, meios de informação ágeis e tecnologias de ponta não conseguem tornar as comunicações interessantes, agradáveis e atrativas?

Está faltando algo.

Muitas vezes quando expostos à situações de comunicação interpessoal, temos a sensação de não pertencimento, exclusão, não envolvimento, de ficar à margem, de não associar nada do que foi dito ou mostrado com a própria vida, com a realidade pessoal ou profissional. Por muito tempo imaginou-se que o cérebro fosse um órgão “receptor”, uma página em branco sempre aberta a receber novas ideias e informações, ávida por processar quantidades imensas de dados. É interessante notar que na teoria da comunicação, usa-se muito a palavra “receptor”. Isso passa a ideia de passividade, de alguém que não reage, que consome sem questionar ou sem o direito de questionar. A isso se soma o fato da sociedade sempre ter sido organizada em estruturas verticalizadas e altamente hierarquizadas, sem muito direito a troca, participações e questionamentos. Ou seja, tudo muito estático, com poucas mudanças e com definições bem claras sobre quem pensa e quem deve executar.

E se trocássemos a palavra RECEPTOR por PERCEPTOR/QUESTIONADOR?

Foi o que aconteceu e de forma rápida, um processo ainda meio desconhecido e imperceptível para a grande maioria. Descobriu-se que nosso cérebro vem com alguns aplicativos, e logo cedo, já são formados conceitos muito fortes. Não somos uma folha em branco, mas sim um imenso caderno que nasce com diversas folhas preenchidas e outras tantas que são preenchidas de acordo com nossas experiências e vivências, entrando em conflito com aquelas que vieram prontas. O resultado disso, em um mundo cada vez mais democrático, aberto, conectado e estimulado é que as comunicações devem ser muito diferentes dos modelos até então conhecidos e tradicionais. O que se recebe de informação nova não é automaticamente aceito e validado. Essa nova teoria intitulada cognitivista, afirma, entre tantas outras, que nosso cérebro precisa ser muito estimulado para mudar de rumo, ponto de vista ou aceitar novas informações. Mas o estímulo não pode ser mais “de qualquer forma”. Dois mecanismos são essenciais para deixar a comunicação mais eficaz: criar sentido e tornar experiências mais ricas e agradáveis. Nas duas situações citadas acima esses elementos não existiram. Para fazer sentido, todas as informações técnicas da máquina teriam que ser traduzidas em uma linguagem conhecida pelo consumidor e associadas diretamente às necessidades dele. Ao perceber isso, nosso cérebro imediatamente dirige a atenção para o vendedor e começa a construir uma interpretação, um mapa da situação. Se todo o processo for conduzido dessa forma, todos os botões e procedimentos começam a ganhar vida e fazer sentido para o consumidor. Ele não é mais passivo ao receber informações. Vendedor e consumidor constroem, juntos, “o sentido” da máquina. Dessa forma fica mais fácil definir qual a máquina mais indicada. Além disso, quanto mais o vendedor simular experiências sobre cada uma das possibilidades de uso, mais haverá identificação do consumidor com a máquina. Quanto mais ricas as experiências, mais sólido e agradável se torna o conhecimento e a apropriação de ideias. Porém, o vendedor não criou sentido nem gerou experiências para o consumidor. Só jogou elementos soltos, o consumidor, por si só, não consegue gerar sentido e criar experiências. Na segunda situação relacionada ao evento, tudo se agrava por envolver muita gente e muita informação. Quanto mais tempo o cérebro fica exposto a situações sem sentido e sem experiências diversificadas mais ele se distrai e se entedia, entrando em estado de devaneio. Mesmo sendo um evento em que havia grande expectativa, quando não há sentido claro e vivências enriquecedoras, o cérebro fica angustiado. Como fugir desse tipo de situação? Algumas ideias:
  1. Muita informação não gera sentido nem envolvimento.
  2. É preciso começar pela ideia geral, pelo todo, pelo sentido maior para depois entrar nos detalhes.
  3. Todo discurso deve ser acompanhado por experiências (entendendo experiência como qualquer processo que ative o máximo possível todos os sentidos do ser humano.)
  4. Para gerar sentido deve-se conhecer a fundo o cenário e a intenção dos participantes.
  5. O sentido não existe por si só. É sempre uma criação que acontece a partir da união das necessidades do comunicador e do público. É o que o outro percebe e está sempre associado à alguma realidade particular.
  6. A escolha dos meios não determina nem a criação do sentido nem a qualidade das experiências. O meio pode ser sofisticado e a comunicação ser precária.
  7. A força do sentido é diretamente proporcional à qualidade da experiência pela qual se passa.
Ed-Sem-Fundo-PBEd Conde é músico, comunicador, crítico, facilitador, palestrante, consultor, pensador, humanista e incentivador de novas ideias e experiências. Com 15 anos, fugiu regularmente das aulas para ler Platão e Sócrates, tentando encontrar sentido nas coisas que (não conseguia) aprender na escola. Deu aula de música para crianças e descobriu que tinha pavor de falar em público. Para vencer o medo, trabalhou como mestre de cerimônias, fez teatro e foi palestrante no universo de cooperativas. Depois disso, montou uma escola de música e foi promotor de eventos de teatro e restaurantes. Nos últimos 20 anos, prestou consultoria individual para mais de 200 pessoas e já facilitou workshops, oficinas e treinamentos de mais de 80 clientes.

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